terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

A ORIGEM PAGÃ DO CARNAVAL










     Na antiga Babilônia, duas festas possivelmente originaram o que conhecemos como carnaval. As Saceias eram uma festa em que um prisioneiro assumia durante alguns dias a figura do rei, vestindo-se como ele, alimentando-se da mesma forma e dormindo com suas esposas. Ao final, o prisioneiro era chicoteado e depois enforcado ou empalado.

O outro rito era realizado pelo rei nos dias que antecediam o equinócio da primavera, período de comemoração do ano novo na região. O ritual ocorria no templo de Marduk, um dos primeiros deuses mesopotâmicos, onde o rei perdia seus emblemas de poder e era surrado na frente da estátua de Marduk. Essa humilhação servia para demonstrar a submissão do rei à divindade. Em seguida, ele novamente assumia o trono.
O que havia de comum nas duas festas e que está ligado ao carnaval era o caráter de subversão de papéis sociais: a transformação temporária do prisioneiro em rei e a humilhação do rei frente ao deus. Possivelmente a subversão de papeis sociais no carnaval, como os homens vestirem-se de mulheres e vice-versa, pode encontrar suas origens nessa tradição mesopotâmica.
As associações entre o carnaval e as orgias podem ainda se relacionar às festas de origem greco-romana, como os bacanais (festas dionisíacas, para os gregos). Seriam festas dedicadas ao deus do vinho, Baco (ou Dionísio, para os gregos), marcadas pela embriaguez e pela entrega aos prazeres da carne.
Mas tais festas eram pagãs. Com o fortalecimento de seu poder, a Igreja não via com bons olhos as festas. Nessa concepção do cristianismo, havia a crítica da inversão das posições sociais, pois, para a Igreja, ao inverter os papéis de cada um na sociedade, invertia-se também a relação entre Deus e o demônio.
Havia ainda em Roma as Saturnálias e as Lupercálias. As primeiras ocorriam no solstício de inverno, em dezembro, e as segundas, em fevereiro, que seria o mês das divindades infernais, mas também das purificações. Tais festas duravam dias com comidas, bebidas e danças. Os papeis sociais também eram invertidos temporariamente, com os escravos colocando-se nos locais de seus senhores, e estes colocando-se no papel de escravos.
Ao pesquisarmos sobre os festejos que marcam o carnaval, geralmente nos deparamos com a lógica e a significação instituídas pelo calendário cristão. Sob esse contexto, o carnaval compreende um período de celebração que antecede a resignação espiritual que inclui o período que vai da Quarta-feira de Cinzas até o Domingo Pascoal. No entanto, quando observamos as manifestações de outras civilizações milenares também conseguimos notar a prática de celebrações de tom carnavalesco.
Pesquisando sobre os povos orientais, podemos apontar a anulação temporária das convenções sociais e das outras distinções que organizavam seu mundo. Entre os babilônios havia a organização de festas anuais de verão, conhecidas como Sacéias. No seu conjunto, tal festividade era orientada pela inversão completa das hierarquias sociais. Ao longo de um período de cinco dias, os servos poderiam incorporar os gestos e comportamentos de seus superiores.
Outra instigante manifestação organizada durante a Sacéia envolvia a escolha de algum prisioneiro para ocupar o lugar da autoridade real. Nesse curto período, o reles detento poderia vestir as roupas do rei, comer em sua mesa e até desposar as mulheres do mesmo. Após a experiência de regalo e alegria, o pobre coitado era submetido à chicotadas e depois morto por algum cruel ritual de execução. Tragicamente, a inversão da realidade chegava ao seu fim.
Em outro tipo de manifestação, os babilônicos tinham o costume de assinalar os limites da autoridade monárquica por meio de um curioso procedimento religioso. Durante os primeiros dias de cada novo ano, um sacerdote retirava do rei todos os emblemas que indicavam seu poder e o expunha a várias agressões físicas. Logo em seguida, o rei era levado aos pés do deus Marduk para declarar que não havia abusado do poder. Finalmente, era novamente consagrado e a ordem normal das coisas era restabelecida.
Os assírios também realizavam outra celebração bem próxima de algumas ações comumente observadas no carnaval de rua contemporâneo. No mês de março, os integrantes dessa poderosa civilização organizavam uma festa em tributo à deusa Ísis, divindade de origem egípcia responsável pela proteção dos navegantes. Os seus participantes costumavam utilizar máscaras durante uma procissão em que um carro transportava uma embarcação a ser oferecida para a deusa.
Na Roma Antiga, as chamadas Saturnálias eram festas em que toda a população estava livre das distinções sociais que orientavam sua vida cotidiana. Durante uma semana, os senhores utilizavam os chapéus de seus subordinados e ofereciam comida aos seus serviçais. Na mesma época, um rei era sorteado para ter todos os seus desejos prontamente atendidos. Dessa maneira, a tradição renovadora que assinala o carnaval pode impressionantemente atravessar os séculos.
Após a disseminação do cristianismo e a consolidação da hierarquia católica, as festas carnavalescas sofreram diversos episódios de perseguição. De acordo com os líderes da Igreja Cristã, as inversões e situações fantasiosas afrontavam o mundo criado pelo Senhor. No entanto, mesmo com sua influência e poder, a Igreja não conseguiu dar fim a essas festividades que ainda se mostram vivas em diversas culturas espalhadas pelo mundo.

A palavra carnaval, do latim carnis levale, significa “retirar a carne”. O sumiço desse item do cardápio representa uma preparação para a quaresma, período dedicado à abstinência, ao jejum e, simbolicamente, ao resguardo do cristão em relação a prazeres mundanos. A quaresma vai da quarta-feira de Cinzas ao domingo de Páscoa, no calendário móvel dos católicos. 


Tomou o mundo, entretanto, a interpretação de que os três dias que antecedem o suposto sacrifício do prazer deveriam ser um elogio ao excesso, e não uma preparação ritual do jejum. E isso está ligado às longínquas origens pagãs da folia.



Desde a Antigüidade, festas populares em várias culturas propunham algo muito parecido com o que se vê hoje no Brasil e no mundo: a suspensão momentânea do estatuto social, a inversão de papéis, de sexos e de valores, tudo com data marcada para terminar.



Só muito mais tarde essa catarse popular foi assimilada pelo calendário cristão, operação que resultou mais em fracassos do que em vitórias. No balanço geral, a derrota da religião diante do carnaval é retumbante. O cristianismo, por exemplo, jamais conseguiu esterilizar totalmente os loucos dias anteriores à quaresma, nem mesmo na Idade Média.



Registros históricos indicam que se encontra na Babilônia, cerca de dois mil anos antes de Cristo, a origem pagã mais remota do Carnaval. Mais especificamente, em festas anuais de verão chamadas Sacéias. O mote da brincadeira era a inversão da hierarquia. Durante cinco dias, os lacaios tornavam-se iguais aos seus mestres.


Durante as Sacéias, também era costume que um prisioneiro assumisse o lugar do rei. Exibindo as insígnias do poder, ele comia à mesa real e dividia o leito com as esposas do monarca. O sonho durava pouco: no quinto dia, o pseudo-rei era chicoteado, antes de ser enforcado ou empalado.



Outro rito babilônico, que tinha como fundamento a inversão, durava 11 dias e ocorria dentro do templo de Marduk, o primeiro dos deuses mesopotâmicos. No fim do quarto dia depois do equinócio da primavera, que marca o Ano Novo babilônico, o sumo sacerdote despojava o rei de seus emblemas de poder. A partir desse momento, o monarca era surrado e arrastado até a estátua divina.



A figura do governante humilhado revelava, então, seu objetivo moderador: o rei se jogava no chão e declarava solenemente não ter abusado de seu poder em relação a Marduk e seu templo, à cidade e a seus súditos. Era, em seguida, novamente consagrado, em um ato que garantia a renovação e a justa reordenação do todo o reino


Alguns antropólogos vêem nesse antiqüíssimo rito mesopotâmico, e não nas Sacéias, a fonte do carnaval, que mais tarde seria exportado pelos persas ao Ocidente.


Outros deuses pagãos e reis contribuíram para enraizar as festas carnavalescas no mundo. Na Assíria da Antigüidade, sempre em março, acontecia a festa de Ísis, a divindade egípcia protetora dos navegantes e talvez a de maior popularidade na sua região de influência. Seus adoradores introduziram as máscaras na festa. Era com o rosto coberto que marchavam em uma alegre procissão, na frente de um carro que transportava uma barca, depois oferecida à deusa.



Em Roma, havia outras festas fundadas na suspensão das obrigações e das barreiras sociais. Chamavam-se Saturnálias, duravam uma semana e ocorriam no solstício de inverno. A folia fazia com que, nesse curto período, os senhores usassem chapéus dos escravos e os servissem. Por sorteio, era eleito um rei que podia fazer e dizer o que bem quisesse. Outra cerimônia, a das Lupercálias, acontecia em fevereiro, mês das divindades infernais e das purificações.



ENQUADRAMENTO A partir do século II, os doutores da Igreja decidiram considerar esses festejos como manifestações do Maligno, senhor da ilusão. Todo aquele que invertesse a ordem das relações sociais ou dos sexos entrava para o reino do demônio, e o homem, criado à imagem de Deus, cometia um grave pecado ao modificar sua aparência com máscaras, diziam.



Nada mudou, contudo, nas tradicionais festas romanas de janeiro, em comemoração ao Ano Novo. Em 31 de dezembro, a festa começava com fartas refeições familiares. Em 1o de janeiro, os banquetes e danças avançavam noite adentro. No dia 2, todos ficavam em casa, para se curar dos excessos da véspera. No dia 3, a festa recomeçava e atingia seu auge, com distribuição de moedas à multidão, jogos e desfiles de mascarados.


Esse ritual de origem pagã só encontraria seu enquadramento no novo calendário cristão, fixado no século IV. O nascimento de Cristo passou para o dia 25 de dezembro, e a visita dos reis magos, para 6 de janeiro. A criação da quaresma, cuja data é móvel e depende da Páscoa, ocorreu no século VIII e também teve como inspiração o desejo de controle sobre as práticas carnavalescas.

NOITES MEDIEVAIS
 Por volta do ano 1000, o início do período fértil para a agricultura na Europa Ocidental era motivo de carnaval. Nessa época de grandes desmatamentos, propícios à criação de cidades, os carnavais urbanos e rurais possibilitavam aos habitantes marcar seu domínio sobre os novos territórios.

O carnaval era basicamente uma festa de rapazes jovens. Vestidos de mulher, percorriam em grupos os sombrios campos, nas noites de lua cheia, com o rosto enegrecido de fuligem ou sob panos. Alguns usavam as roupas pelo avesso ou um simples saco grosseiro sobre o corpo. Acessórios comuns eram focinhos de porco e capuzes de pele de coelho. Diziam-se habitantes de uma fronteira entre o mundo dos vivos e o dos mortos.

Esses bandos se acercavam das propriedades rurais gritando “Hu,Hu” e atirando pedras contra janelas, portas e telhados. O som de uma espécie de tambor avisava os ocupantes da iminente invasão da casa. Uma vez dentro, eles perseguiam garotas para conseguir um beijo, sentavam-se à mesa e devoravam crepes e bolinhos, feitos para eles. Tudo isso sem pronunciar uma palavra, a fim de manter o anonimato.

Os visitantes mascarados eram chamados de “medos” nos Pireneus Orientais. “Medo” designava, ao mesmo tempo, os que voltavam do outro mundo e o terror que suscitavam.
A Igreja, mesmo tendo absorvido algumas festas pagãs, tinha duas grandes dificuldades. Primeiro, não tolerava nem controlava a febre de usar máscaras, típica do carnaval. Segundo, tinha dificuldade para impedir os excessos de violência e obscenidade, que se repetiam todos os anos. No oeste da França, por exemplo, havia o jogo de soule –longínquo ancestral do rúgbi –, em que todos os golpes eram permitidos. Assim, as partidas da “terça-feira gorda” acabavam sempre em batalhas desordenadas.

SUBVERSÃO
 A vontade da Igreja de controlar a festa nunca conseguiu impedir seu caráter fortemente subversivo. As autoridades, além disso, tendiam a mitigar os exageros, pois viam nesses surtos liberais alguma utilidade: era um modo de controlar as reivindicações sociais da população.

Nos países germânicos, a vigilância foi muito mais rigorosa do que na França, em particular em Nurembergue. A partir do fim do século XIV, a duração do carnaval passou a se limitar aos três dias anteriores à quaresma, quando em outras localidades a festa tendia sempre a ocupar mais espaço no calendário.

A festa dos germânicos também foi contida na forma. Os desfiles foram regulamentados, e as fantasias, proibidas, com severas punições aos desobedientes. Em compensação, nasceu uma atração que duraria até a Renascença, apesar da oposição dos luteranos a partir do século XVI: as rápidas representações teatrais de rua. Os espetáculos eram feitos por personagens fantasiados e competiam em obscenidade.

RENASCIMENTO
 O carnaval continuou a prosperar nos tempos seguintes, até chegar à Renascença. Em particular nas cidades italianas, onde surgiu a commedia dell’arte, uma espécie de teatro improvisado muito popular até o século XVIII e que ainda hoje sobrevive.
Em Florença se desenvolveram as canções para acompanhar desfiles. Havia os trionfi, carros mitológicos concebidos por grandes pintores da época, como Botticelli, e os carri, que mostraram um mundo burlesco, no qual o cavaleiro carregava o cavalo, e o lavrador puxava uma charrua, sob o comando de um boi.

Em Roma e Veneza, os festejos celebravam vitórias políticas do passado e outros feitos históricos. Usava-se a
 bautaveneziana – uma capa de renda com capuz de seda negra, que enquadrava o rosto e cobria os ombros. Os acessórios eram um chapéu de três pontas e uma máscara branca. A fantasia permitia a abolição temporária de diferenças sociais e, em alguns casos, o prazer de uma perversão à sombra do anonimato.

O carnaval em Veneza começava em 26 de dezembro, com bailes nas grandes praças da cidade. Prosseguia com festas, jogos, representações teatrais e outros espetáculos até a terça-feira gorda. Varrido com a República nas guerras napoleônicas do século XVIII, o carnaval de Veneza só foi efetivamente retomado na década de 70 do século XX.

No Novo Mundo, o carnaval chegou junto com a bagagem dos navegadores e exploradores, a partir do século XVI. Floresceu no Caribe, na América Latina e no Brasil.





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