domingo, 22 de fevereiro de 2015
terça-feira, 17 de fevereiro de 2015
A ORIGEM PAGÃ DO CARNAVAL
O outro
rito era realizado pelo rei nos dias que antecediam o equinócio da primavera,
período de comemoração do ano novo na região. O ritual ocorria no templo de
Marduk, um dos primeiros deuses mesopotâmicos, onde o rei perdia seus emblemas
de poder e era surrado na frente da estátua de Marduk. Essa humilhação servia
para demonstrar a submissão do rei à divindade. Em seguida, ele novamente
assumia o trono.
O que
havia de comum nas duas festas e que está ligado ao carnaval era o caráter de subversão
de papéis sociais: a transformação temporária do prisioneiro em
rei e a humilhação do rei frente ao deus. Possivelmente a subversão de papeis
sociais no carnaval, como os homens vestirem-se de mulheres e vice-versa, pode
encontrar suas origens nessa tradição mesopotâmica.
As
associações entre o carnaval e as orgias podem ainda se relacionar às festas de
origem greco-romana, como os bacanais (festas dionisíacas, para os gregos).
Seriam festas dedicadas ao deus do vinho, Baco (ou Dionísio, para os gregos),
marcadas pela embriaguez e pela entrega aos prazeres da carne.
Mas
tais festas eram pagãs. Com o
fortalecimento de seu poder, a Igreja não via com bons olhos as festas. Nessa
concepção do cristianismo, havia a crítica da inversão das posições sociais,
pois, para a Igreja, ao inverter os papéis de cada um na sociedade, invertia-se
também a relação entre Deus e o demônio.
Havia ainda em Roma as Saturnálias e as Lupercálias. As primeiras ocorriam no solstício de inverno, em dezembro, e as segundas, em fevereiro, que seria o mês das divindades infernais, mas também das purificações. Tais festas duravam dias com comidas, bebidas e danças. Os papeis sociais também eram invertidos temporariamente, com os escravos colocando-se nos locais de seus senhores, e estes colocando-se no papel de escravos.
Ao
pesquisarmos sobre os festejos que marcam o carnaval, geralmente nos deparamos
com a lógica e a significação instituídas pelo calendário cristão. Sob esse
contexto, o carnaval compreende um período de celebração que antecede a
resignação espiritual que inclui o período que vai da Quarta-feira de Cinzas
até o Domingo Pascoal. No entanto, quando observamos as manifestações de outras
civilizações milenares também conseguimos notar a prática de celebrações de tom
carnavalesco.
Pesquisando
sobre os povos orientais, podemos apontar a anulação temporária das convenções
sociais e das outras distinções que organizavam seu mundo. Entre os babilônios
havia a organização de festas anuais de verão, conhecidas como Sacéias. No seu
conjunto, tal festividade era orientada pela inversão completa das hierarquias
sociais. Ao longo de um período de cinco dias, os servos poderiam incorporar os
gestos e comportamentos de seus superiores.
Outra
instigante manifestação organizada durante a Sacéia envolvia a escolha de algum
prisioneiro para ocupar o lugar da autoridade real. Nesse curto período, o
reles detento poderia vestir as roupas do rei, comer em sua mesa e até desposar
as mulheres do mesmo. Após a experiência de regalo e alegria, o pobre coitado
era submetido à chicotadas e depois morto por algum cruel ritual de execução.
Tragicamente, a inversão da realidade chegava ao seu fim.
Em
outro tipo de manifestação, os babilônicos tinham o costume de assinalar os
limites da autoridade monárquica por meio de um curioso procedimento religioso.
Durante os primeiros dias de cada novo ano, um sacerdote retirava do rei todos
os emblemas que indicavam seu poder e o expunha a várias agressões físicas.
Logo em seguida, o rei era levado aos pés do deus Marduk para declarar que não
havia abusado do poder. Finalmente, era novamente consagrado e a ordem normal
das coisas era restabelecida.
Os
assírios também realizavam outra celebração bem próxima de algumas ações
comumente observadas no carnaval de rua contemporâneo. No mês de março, os
integrantes dessa poderosa civilização organizavam uma festa em tributo à deusa
Ísis, divindade de origem egípcia responsável pela proteção dos navegantes. Os
seus participantes costumavam utilizar máscaras durante uma procissão em que um
carro transportava uma embarcação a ser oferecida para a deusa.
Na Roma
Antiga, as chamadas Saturnálias eram festas em que toda a população estava
livre das distinções sociais que orientavam sua vida cotidiana. Durante uma
semana, os senhores utilizavam os chapéus de seus subordinados e ofereciam comida
aos seus serviçais. Na mesma época, um rei era sorteado para ter todos os seus
desejos prontamente atendidos. Dessa maneira, a tradição renovadora que
assinala o carnaval pode impressionantemente atravessar os séculos.
Após a
disseminação do cristianismo e a consolidação da hierarquia católica, as festas
carnavalescas sofreram diversos episódios de perseguição. De acordo com os
líderes da Igreja Cristã, as inversões e situações fantasiosas afrontavam o
mundo criado pelo Senhor. No entanto, mesmo com sua influência e poder, a
Igreja não conseguiu dar fim a essas festividades que ainda se mostram vivas em
diversas culturas espalhadas pelo mundo.
A palavra carnaval, do latim carnis levale, significa
“retirar a carne”. O sumiço desse item do cardápio representa uma preparação
para a quaresma, período dedicado à abstinência, ao jejum e, simbolicamente, ao
resguardo do cristão em relação a prazeres mundanos. A quaresma vai da
quarta-feira de Cinzas ao domingo de Páscoa, no calendário móvel dos católicos.
Tomou o mundo, entretanto, a interpretação de
que os três dias que antecedem o suposto sacrifício do prazer deveriam ser um
elogio ao excesso, e não uma preparação ritual do jejum. E isso está ligado às
longínquas origens pagãs da folia.
Desde a Antigüidade, festas populares em várias
culturas propunham algo muito parecido com o que se vê hoje no Brasil e no
mundo: a suspensão momentânea do estatuto social, a inversão de papéis, de
sexos e de valores, tudo com data marcada para terminar.
Só muito mais tarde essa catarse popular foi
assimilada pelo calendário cristão, operação que resultou mais em fracassos do
que em vitórias. No balanço geral, a derrota da religião diante do carnaval é
retumbante. O cristianismo, por exemplo, jamais conseguiu esterilizar totalmente
os loucos dias anteriores à quaresma, nem mesmo na Idade Média.
Registros históricos indicam que se encontra na Babilônia,
cerca de dois mil anos antes de Cristo, a origem pagã mais remota do Carnaval.
Mais especificamente, em festas anuais de verão chamadas Sacéias. O mote da
brincadeira era a inversão da hierarquia. Durante cinco dias, os lacaios
tornavam-se iguais aos seus mestres.
Durante as Sacéias, também era costume que um
prisioneiro assumisse o lugar do rei. Exibindo as insígnias do poder, ele comia
à mesa real e dividia o leito com as esposas do monarca. O sonho durava pouco:
no quinto dia, o pseudo-rei era chicoteado, antes de ser enforcado ou empalado.
Outro rito babilônico, que tinha como fundamento
a inversão, durava 11 dias e ocorria dentro do templo de Marduk, o primeiro dos
deuses mesopotâmicos. No fim do quarto dia depois do equinócio da primavera,
que marca o Ano Novo babilônico, o sumo sacerdote despojava o rei de seus
emblemas de poder. A partir desse momento, o monarca era surrado e arrastado
até a estátua divina.
A figura do governante humilhado revelava,
então, seu objetivo moderador: o rei se jogava no chão e declarava solenemente
não ter abusado de seu poder em relação a Marduk e seu templo, à cidade e a
seus súditos. Era, em seguida, novamente consagrado, em um ato que garantia a
renovação e a justa reordenação do todo o reino
Alguns antropólogos vêem nesse antiqüíssimo rito
mesopotâmico, e não nas Sacéias, a fonte do carnaval, que mais tarde seria
exportado pelos persas ao Ocidente.
Outros deuses pagãos e reis contribuíram para
enraizar as festas carnavalescas no mundo. Na Assíria da Antigüidade, sempre em
março, acontecia a festa de Ísis, a divindade egípcia protetora dos navegantes
e talvez a de maior popularidade na sua região de influência. Seus adoradores
introduziram as máscaras na festa. Era com o rosto coberto que marchavam em uma
alegre procissão, na frente de um carro que transportava uma barca, depois
oferecida à deusa.
Em Roma, havia outras festas fundadas na
suspensão das obrigações e das barreiras sociais. Chamavam-se Saturnálias,
duravam uma semana e ocorriam no solstício de inverno. A folia fazia com que,
nesse curto período, os senhores usassem chapéus dos escravos e os servissem.
Por sorteio, era eleito um rei que podia fazer e dizer o que bem quisesse.
Outra cerimônia, a das Lupercálias, acontecia em fevereiro, mês das divindades
infernais e das purificações.
ENQUADRAMENTO A partir do século II, os doutores da Igreja decidiram
considerar esses festejos como manifestações do Maligno, senhor da ilusão. Todo
aquele que invertesse a ordem das relações sociais ou dos sexos entrava para o
reino do demônio, e o homem, criado à imagem de Deus, cometia um grave pecado
ao modificar sua aparência com máscaras, diziam.
Nada mudou, contudo, nas tradicionais festas
romanas de janeiro, em comemoração ao Ano Novo. Em 31 de dezembro, a festa
começava com fartas refeições familiares. Em 1o de janeiro, os banquetes e
danças avançavam noite adentro. No dia 2, todos ficavam em casa, para se curar
dos excessos da véspera. No dia 3, a festa recomeçava e atingia seu auge, com
distribuição de moedas à multidão, jogos e desfiles de mascarados.
Esse ritual de origem pagã só encontraria seu enquadramento no novo
calendário cristão, fixado no século IV. O nascimento de Cristo passou para o
dia 25 de dezembro, e a visita dos reis magos, para 6 de janeiro. A criação da
quaresma, cuja data é móvel e depende da Páscoa, ocorreu no século VIII e
também teve como inspiração o desejo de controle sobre as práticas
carnavalescas.
NOITES MEDIEVAIS Por volta do ano 1000, o início do período fértil para a agricultura na Europa Ocidental era motivo de carnaval. Nessa época de grandes desmatamentos, propícios à criação de cidades, os carnavais urbanos e rurais possibilitavam aos habitantes marcar seu domínio sobre os novos territórios.
O carnaval era basicamente uma festa de rapazes jovens. Vestidos de mulher, percorriam em grupos os sombrios campos, nas noites de lua cheia, com o rosto enegrecido de fuligem ou sob panos. Alguns usavam as roupas pelo avesso ou um simples saco grosseiro sobre o corpo. Acessórios comuns eram focinhos de porco e capuzes de pele de coelho. Diziam-se habitantes de uma fronteira entre o mundo dos vivos e o dos mortos.
Esses bandos se acercavam das propriedades rurais gritando “Hu,Hu” e atirando pedras contra janelas, portas e telhados. O som de uma espécie de tambor avisava os ocupantes da iminente invasão da casa. Uma vez dentro, eles perseguiam garotas para conseguir um beijo, sentavam-se à mesa e devoravam crepes e bolinhos, feitos para eles. Tudo isso sem pronunciar uma palavra, a fim de manter o anonimato.
Os visitantes mascarados eram chamados de “medos” nos Pireneus Orientais. “Medo” designava, ao mesmo tempo, os que voltavam do outro mundo e o terror que suscitavam.
NOITES MEDIEVAIS Por volta do ano 1000, o início do período fértil para a agricultura na Europa Ocidental era motivo de carnaval. Nessa época de grandes desmatamentos, propícios à criação de cidades, os carnavais urbanos e rurais possibilitavam aos habitantes marcar seu domínio sobre os novos territórios.
O carnaval era basicamente uma festa de rapazes jovens. Vestidos de mulher, percorriam em grupos os sombrios campos, nas noites de lua cheia, com o rosto enegrecido de fuligem ou sob panos. Alguns usavam as roupas pelo avesso ou um simples saco grosseiro sobre o corpo. Acessórios comuns eram focinhos de porco e capuzes de pele de coelho. Diziam-se habitantes de uma fronteira entre o mundo dos vivos e o dos mortos.
Esses bandos se acercavam das propriedades rurais gritando “Hu,Hu” e atirando pedras contra janelas, portas e telhados. O som de uma espécie de tambor avisava os ocupantes da iminente invasão da casa. Uma vez dentro, eles perseguiam garotas para conseguir um beijo, sentavam-se à mesa e devoravam crepes e bolinhos, feitos para eles. Tudo isso sem pronunciar uma palavra, a fim de manter o anonimato.
Os visitantes mascarados eram chamados de “medos” nos Pireneus Orientais. “Medo” designava, ao mesmo tempo, os que voltavam do outro mundo e o terror que suscitavam.
A Igreja, mesmo tendo absorvido algumas festas pagãs, tinha duas grandes
dificuldades. Primeiro, não tolerava nem controlava a febre de usar máscaras,
típica do carnaval. Segundo, tinha dificuldade para impedir os excessos de
violência e obscenidade, que se repetiam todos os anos. No oeste da França, por
exemplo, havia o jogo de soule –longínquo ancestral do rúgbi –, em que todos os golpes eram permitidos.
Assim, as partidas da “terça-feira gorda” acabavam sempre em batalhas
desordenadas.
SUBVERSÃO A vontade da Igreja de controlar a festa nunca conseguiu impedir seu caráter fortemente subversivo. As autoridades, além disso, tendiam a mitigar os exageros, pois viam nesses surtos liberais alguma utilidade: era um modo de controlar as reivindicações sociais da população.
Nos países germânicos, a vigilância foi muito mais rigorosa do que na França, em particular em Nurembergue. A partir do fim do século XIV, a duração do carnaval passou a se limitar aos três dias anteriores à quaresma, quando em outras localidades a festa tendia sempre a ocupar mais espaço no calendário.
A festa dos germânicos também foi contida na forma. Os desfiles foram regulamentados, e as fantasias, proibidas, com severas punições aos desobedientes. Em compensação, nasceu uma atração que duraria até a Renascença, apesar da oposição dos luteranos a partir do século XVI: as rápidas representações teatrais de rua. Os espetáculos eram feitos por personagens fantasiados e competiam em obscenidade.
RENASCIMENTO O carnaval continuou a prosperar nos tempos seguintes, até chegar à Renascença. Em particular nas cidades italianas, onde surgiu a commedia dell’arte, uma espécie de teatro improvisado muito popular até o século XVIII e que ainda hoje sobrevive.
SUBVERSÃO A vontade da Igreja de controlar a festa nunca conseguiu impedir seu caráter fortemente subversivo. As autoridades, além disso, tendiam a mitigar os exageros, pois viam nesses surtos liberais alguma utilidade: era um modo de controlar as reivindicações sociais da população.
Nos países germânicos, a vigilância foi muito mais rigorosa do que na França, em particular em Nurembergue. A partir do fim do século XIV, a duração do carnaval passou a se limitar aos três dias anteriores à quaresma, quando em outras localidades a festa tendia sempre a ocupar mais espaço no calendário.
A festa dos germânicos também foi contida na forma. Os desfiles foram regulamentados, e as fantasias, proibidas, com severas punições aos desobedientes. Em compensação, nasceu uma atração que duraria até a Renascença, apesar da oposição dos luteranos a partir do século XVI: as rápidas representações teatrais de rua. Os espetáculos eram feitos por personagens fantasiados e competiam em obscenidade.
RENASCIMENTO O carnaval continuou a prosperar nos tempos seguintes, até chegar à Renascença. Em particular nas cidades italianas, onde surgiu a commedia dell’arte, uma espécie de teatro improvisado muito popular até o século XVIII e que ainda hoje sobrevive.
Em Florença se desenvolveram as canções para acompanhar desfiles. Havia
os trionfi, carros
mitológicos concebidos por grandes pintores da época, como Botticelli, e os carri, que mostraram um mundo burlesco, no qual o cavaleiro
carregava o cavalo, e o lavrador puxava uma charrua, sob o comando de um boi.
Em Roma e Veneza, os festejos celebravam vitórias políticas do passado e outros feitos históricos. Usava-se a bautaveneziana – uma capa de renda com capuz de seda negra, que enquadrava o rosto e cobria os ombros. Os acessórios eram um chapéu de três pontas e uma máscara branca. A fantasia permitia a abolição temporária de diferenças sociais e, em alguns casos, o prazer de uma perversão à sombra do anonimato.
O carnaval em Veneza começava em 26 de dezembro, com bailes nas grandes praças da cidade. Prosseguia com festas, jogos, representações teatrais e outros espetáculos até a terça-feira gorda. Varrido com a República nas guerras napoleônicas do século XVIII, o carnaval de Veneza só foi efetivamente retomado na década de 70 do século XX.
No Novo Mundo, o carnaval chegou junto com a bagagem dos navegadores e exploradores, a partir do século XVI. Floresceu no Caribe, na América Latina e no Brasil.
Em Roma e Veneza, os festejos celebravam vitórias políticas do passado e outros feitos históricos. Usava-se a bautaveneziana – uma capa de renda com capuz de seda negra, que enquadrava o rosto e cobria os ombros. Os acessórios eram um chapéu de três pontas e uma máscara branca. A fantasia permitia a abolição temporária de diferenças sociais e, em alguns casos, o prazer de uma perversão à sombra do anonimato.
O carnaval em Veneza começava em 26 de dezembro, com bailes nas grandes praças da cidade. Prosseguia com festas, jogos, representações teatrais e outros espetáculos até a terça-feira gorda. Varrido com a República nas guerras napoleônicas do século XVIII, o carnaval de Veneza só foi efetivamente retomado na década de 70 do século XX.
No Novo Mundo, o carnaval chegou junto com a bagagem dos navegadores e exploradores, a partir do século XVI. Floresceu no Caribe, na América Latina e no Brasil.
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